terça-feira, 7 de setembro de 2004

O barulho

5 da manhã, tentava adormecer. Já tinha tentado tudo, estava farto, não podia mais. O barulho era ensurdecedor, parecia vir de todos os lados.

Um belo dia se Sábado resolvi ir ver casas. Estava farto do meu pequeno e acolhedor apartamento, queria uma casa maior, com mais espaço, para poder fazer outras coisas. Assim fiz. Sai bem sedo, percorri alguns bairros da cidade, mas não encontrava nada que conseguisse superar as condições que tinha. Mais umas voltas e encontrei algo que me chamou a atenção, entrei.

Já lá vão dois anos e não tenho vizinhos, começo a pensar se fiz bem. Porque será que mais ninguém gosta deste local? Acho mesmo muito estranho. Às vezes o silêncio é aterrador, outro dia consegui ouvir o silêncio, pensava eu que seria impossível acontecer na cidade. Tenho tentado convencer os meus amigos, mas nem eles.

Quando me lembrei já era tarde de mais. Eu devia ter-me lembrado, essas coisas não se esquecem. A Senhora disse-me que de tantos em tantos anos há qualquer coisa que se transforma naquela paragens. Mas a paixão fez com que esquece-se tudo.

O pior era mesmo isso, a princípio não conseguia aperceber-me de onde vinha o barulho, era por toda a parte. Estava muito cansado. Aquilo só podia ser sobrenatural. Quando chegava ao átrio do prédio, não se ouvia nada, mas mal entrava no elevador, o barulho começava a aumentar a cada andar que se subia, para minha infelicidade eu morava no penúltimo.

Uma vez convidei cerca de dez pessoas para jantar lá em casa, não sei bem o que aconteceu, mas eu devia ter me apercebido que aquilo era um presságio, ou mau agoiro. Todos tiveram problemas e não puderam aparecer. Eu até julguei que estivessem todos a gozar comigo e pensei mesmo em deixar de lhes falar. Mas um a um apresentaram-me provas irrefutáveis de problemas. Uns tinham tudo problemas pessoais, outros de avarias de carros, etc. Houve um que me custou bastante a acreditar. Disse que tinha sido raptado.

O átrio era composto que uma grande superfície, toda ela em mármore de várias cores. O chão era preto, as paredes em tons de vermelho entrelaçados e no tecto uma pintura. Um fresco. O tema era a vida numa aldeia medieval, com milhares de habitantes, era composto por muitos rostos, muitos mesmo. Fiquei perfeitamente apaixonado pela pintura, só me apetecia ali ficar a observar com minúcia todos os pormenores. Até a Senhora teve de me puxar. Entrei no elevador.

Eu não acreditei mas depois de o ter ido visitar ao hospital, acreditei. Eu bem que tentava cativar pessoas a conhecer o meu novo lar, mas nada. Nem as minhas próprias namoradas. Quase todas elas tinha casa própria e quando o a tinham, diziam que tinham de dormir em casa dos pais. As únicas pessoas que entraram nessa casa, tinha sido eu, a Senhora que me mostrou a casa e um homem das mudanças, que por sinal era surdo. Foi uma desgraça para lhe dizer onde deixar as coisas. Muito simpático, mas completamente surdo.

Quando chegava ao meu apartamento era verdadeiramente impressionante, eu tinha dificuldade me ouvir a mim próprio. Entrava, fechava a porta e o barulho acabava. Mas mal dava um passo, voltava de novo, com a mesmo força, às vezes parecia que ainda aumentava mais. Aquilo já durava à dois longos meses. Eu não conseguia dormir. Andava a dormir em tudo o que era sítio, nos transportes, no trabalho, em todos o lado, bastava ficar um pouco quieto. Resolvi mandar uma carta para o construtor.

Mas não era razão para esquecer. Mas podia eu me lembrar, era tudo tão ao meu gosto, o prédio, a praceta, o átrio, os elevadores, que eram cinco, o espaço, a luz e o silêncio. Só havia uma coisa que não atraia muito, a vista. Só se conseguia ver para outros prédios, mas até isso era bom, porque tinham encontrado uma forma por meio de cores, de tornar os prédios mais apelativos. Para mim morar ali era como morar no paraíso! Mas logo me fui esquecer.

O elevador era soberbo, magistral, ao contrário de todos os outros elevadores que conhecia, o espelho era na parede do lado direito, o chão era coberto por uma grossa camada de pelo sintético branco, tão fofo que parecia estarmos a flutuar, as paredes eram revestidas a veludo azul escuro, quase preto, ou seria preto quase azul? O tecto era em madeira, escura, envernizada, muito brilhante; a iluminação estava assegurada por quatro lâmpadas, normais muito fracas, dentro de abajures foscos. Havia também um sofá, de apenas dois lugares, em pele vermelha, que tornava o ambiente cheio de luxuria. O que achei mais impressionante foi o facto de o elevador ser extremamente lento. Desde o átrio até ao último andar, um elevado 15º andar, demorava cerca de 10 minutos. Achei aquilo fantástico! Mas depois pensei – e se tiver que sair à pressa? – Dos cinco elevadores, dois deles eram ultra rápidos, cerca de dois minutos do 0 ao 15º andar, explicou-me a Senhora. O apartamento que me ia mostrar ficava no 14º andar.

Apesar de surdo estranhei ele estar sempre com presa para fazer tudo, era como se aquele lugar lhe tivesse a incomodar, olhava muito envolta e de repente olhava para trás, como se estivessem a chama-lo. O que é facto é que não consegui trazer mais ninguém à minha casa nova, NINGUÉM!

Quando entrei no apartamento foi a gota de água, fiquei sem palavras. A casa era ideal para mim.Com muita luz, parecia que entrava por todos os lados, até mesmo nos locais onde não tenha janelas. Tinha uma sala enorme, um quarto enorme com suite, uma cozinha razoável, um outro quarto, uma casa de banho e uma despensa, que mais parecia uma arrecadação. Toda pintada de branco. A luz era o que mais impressionante. Quando dei por mim estava de sorriso aberto no meio da sala, ao contrário da Senhora que não esboçava um único sorriso, nada, sempre muito sisuda. Vi mais alguns pormenores e fui-me embora. Passado duas semana já estava a morar na minha nova casa.

Mas sem efeito, nunca respondeu, aliás uma das vezes a carta até veio devolvida, com morada desconhecida. Eu já não iria suportar aquilo muito mais tempo. Estava a dar em louco, já me ria sozinho, ia para a varanda e gritava por socorro. Ligava para os meus amigos mas não me ouviam, nem eu os ouvia. O barulho, o barulho era só o barulho! Não conseguia identificar muito bem que tipo de barulho era, era uma mistura de vozes, sons agudos e graves, tudo; imaginem todos os barulhos que há no mundo reunidos ali, naquele apartamento.

No dia em que me mostrou a casa, disse-me: - Eu não devia estar a dizer-lhe isto, mas há uma lenda que faz alusão a este local como sendo o centro de tudo o que faz barulho. E de vinte em vinte anos este local é escolhido. – Eu na altura pareceu-me um pouco estranho, e até irreal, achei que a Senhora seria louca, nem quis acreditar, mas no dia em que tudo começou, lembrei-me do que ela disse e acreditei. Como podia ser? De um local paradisíaco, tornar-se no pior local de terra. O local de onde todo o barulho vem. É daquele local, é dali, é naquela casa, naquele prédio, naquela sala, naquele buraco no canto da sala, qual não consegui lá chegar para o tapar!!! AAAAAAAAAAHHHHHHHHH!!!!!!!!!!!!!

Agora estou aqui internado, longe de tudo, penso como teria sido se não tivesse saído da primeira casa, onde de vinte em vinte anos é frequentada por cinco mil duendes durante duas horas.

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