segunda-feira, 24 de julho de 2006

Sei lá...!

Simpaticamente fornecida por um vizinho vesgo, a trela do meu cão, a qual é verde e sendo a dele amarela, faz com que ambos os cães sejam amigos, mesmo muito. Esta amizade faz com que nos encontremos quase todos dias, umas vezes por acaso, outras mesmo de propósito. Das últimas vezes chateámo-nos e desde então que não sou capaz de usar a trela verde. Por essa razão vou neste momento à loja de animais escolher uma mantinha, daquelas que tapam o corpo todo. O frio que faz por estas partes é insuportável, não há como fugir, a única forma de aquecer os pés é na lareira, andamos sempre com frio. O canito, o Zonga, que já por si só é lingrinhas, nem quando está a urinar consegue estar quieto, deve-se sentir tão mal. A bem da verdade é preferível estar sem a ridícula trela verde, oferecida por um badameco qualquer, que nem falar sabe, a andar à solta, mas com um belo vestidinho de Woolmark, aos quadradinhos. Ele vai gostar e a mim, tirar-me da ideia de comprar aquele casaco de pele de porco que há anos ando a cobiçar.
Cheguei a casa já com ele vestido, o casaco é mesmo bonito, o coitado do Zonga lá teve que vir com a estúpida o caminho todo com a trela verde e a tremer de frio. Já estou farto do cão, está sempre com frio, sempre a tremer e a ganir! Tenho que o despachar. Logo à noite vou preparar um belo cozido para o Zonga, com especiarias vindas do inferno. Ele vai gostar.
Zonga!! Onde estás? Zonga!! Anda cá! Onde diabo se enfiou o bicho? Queres ver que o diabo do cão fugiu? Já corri a casa toda e nada… Zonga!!?? Sai e fui procura-lo à rua. Depois de duas horas de buscas, vejo o ignorante de meu vizinho com o meu cão pela trela amarela e o dele na trela verde. Como será mais ou menos óbvio, dei-lhe a coça do ano. Não se conseguia reconhecer o pobre Zonga, a trela era o pior, já nem a cor se conseguia reconhecer. As patas traseiras arrastavam-se de uma forma singular, nunca antes vista, o sangue escorria lombo, líquidos corporais saíam pelas orelhas e um dos olhos estava de tal forma mal tratado que não se percebia, se era um olho, ou um vulcão de sangue e líquidos corporais.
O vizinho ficou horrorizado e foi-se embora.
Após tal algazarra, veio a calmaria e o sol voltou. Onde a neve e o gelo tinham estado, havia agora os campos verdejantes, cheios de vida. As pessoas brincavam na rua, as crianças estavam em casa a jogar PlayStation, todos animais estavam alegremente alegres e passeavam alegres, pela aldeia alegre. O Zonga, esse ficava todos os dias dentro de uma arca frigorífica a recuperar dos ferimentos. Eu, andava tão feliz que até tinha arranjado um novo companheiro, um hipopótamo bebé. Tencionava trata dele até à adolescência, já tinha convertido o meu quintal numa pocilga para hipopótamos, tinha um pequeno lago, uma manjedoura, uma máquina de lavar automóveis convertida para lavar hipopótamos, tinha tudo para o bem-estar do meu Elias.
No dia seguinte foi o dia mais triste da minha vida. O Elias tinha sido raptado. Eu sabia que havia dois ou três tipos na aldeia que tinha inveja do meu Elias, mas nunca pensei que fosse ódio de morte e inveja amarela. O pior é que não podia participar à polícia, pois um dos odiosos era o chefe da polícia. Pensei que ia morrer, que os dias iam ser de novo frios e pequenos, que teria que voltar a falar ao meu vizinho, que teria de andar pela ruas depois do jantar sem nada na mão. Lembrei-me com saudades do meu Zonga. Resolvi fazer-lhe uma pequena visita. Qual o meu espanto quando ao abrir a porta da câmara frigorífica vejo o triste espectáculo do meu Zonguita a cortar às postas o meu Elias e dizia com voz de diabo: O que foi?! Nunca viste?!
Os dias no manicómio têm me feito bem, já não roo as unhas e não faço cocó ao lado da sanita. Já nem me lembro do nome do meu vizinho e nem sei o que me trouxe ao manicómio, a não ser quando vem a visita do meu amigo maluco, mas menos que eu, e trás um animal pequeno, peludo de dentes afiados, que quando me olha, diz com voz de diabo: Eu bem te avisei!
Uma coisa é certa, a neve voltou.

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