sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A história da vida dele

São duas da tarde, estou entediado no quarto triangular. Pensei em tomar uma decisão que iria fazer o meu dia muito mais interessante, mas não a consigo entender. Fui ver se tinha mensagens, não tinha. Isso despoletou uma tremenda dor de cabeça que me fez entender qual a decisão a tomar. Vou ter com a minha amiga Amália. Adoro estar com ela dentro do meu quarto. Sabia que o tráfego de prédios a esta hora era monstruoso e depois do novo sistema de ultra elevação ter-se avariado a semana passada, tudo estaria ainda pior.
Dei uma espreitadela no trânsito. Havia um acidente na prédio-estrada P4. Colisão de um prédio, com semi-casas de 35 andares, contra uma minúscula casa térrea. Seriam cerca de duas horas de caminho. Mas não iria conseguir estar ali em casa por muito mais tempo. Programei sono forçado para duas horas, comuniquei o meu destino e logo de imediato caí no sono.

O sistema de ultra elevação é do mais evoluído de todos, está implementado em duas dúzias de capitais de distrito em todo o país. Neste caso, e porque a cidade é a mais antiga do país, o sistema foi alterado, tendo sofrido graves convulsões de instalação, como por exemplo o facto de não se conseguir estar por mais de três horas dentro do buracadeiro de pilares, visto que o ar na parte inferior da cidade é mortal. Já há muito que só vivem ser vivos nas plataformas superiores. A plataforma quinze é a mais cara. As maqualteradas, são as únicas coisas que vivem no piso ao nível do “solo”. São alimentadas por dejectos vindos das plataformas superiores.
O sistema que tinha custado quatro mil milhões de toneladas de milho roxo, estava agora parado e não havia grande esperança de o voltar a colocar em bom funcionamento. Este sistema permitia que uma casa, dentro de um edifício, fosse separada em várias divisões podendo assim haver maior circulação nos corredores mais estreitos. Assim, com essa separação, todo o tráfego fazia-se bem melhor. Casas, prédios, semi-prédios, etc., poderiam circular de uma forma dividida por todos os itinerários alternativos. Nos primórdios já tinha havido um grande avanço com a separação da casa do edifício, havendo assim uma mobilidade muito maior e também a construção de edifícios maiores e mais altos.


Cheguei à hora programada. A manga deslizou e acostou na porta da Amália. Ainda demorou alguns segundos a abrir a porta, mas por fim deu o ar da sua graça lá do alto do seu metro a trinta. Disse olá e acenou com a mão. Deslizei pela passadeira da manga até à porta. A manga dela era bem mais agradável que a minha. Tinha projecções de explosões lindas! Uma das minhas favoritas era da explosão da torre Eiffel, em 2084, por um grupo de atrasados mentais que julgavam que o monumento fazia parte duma das antenas de comunicação do planeta KU75W da constelação Adrega. A explosão é linda! É hoje o símbolo da nova nação para a construção dum novo país no subsolo. Anolanda. Nunca lá fui, mas a Amália tinha lá muitos amigos cheios de cicatrizes na nuca. Era sinal que bebiam muito sumo de alperce, muito apreciado naquela terra. Os concentrados de alperce, em conjunção com os vapores libertados pelo subsolo, são inebriantes e funcionam como uma droga alcalina.
Mal entrei na casa senti o cheiro típico de refogado de morsa. O cheiro é nauseabundo, mas pouco intenso. As morsas, desde a sua quase extinção, passaram a ser cultivadas em cativeiro e é uma das dietas mais utilizadas pelas pessoas que se movem pouco, ou seja, as pessoas que têm pernas com quinze centímetros. São oriundas da zona centro/sul do ex-continente Europa. Eu adorava morsa na brasa e ela sabia.
Desde que foi implementado o serviço de quero-ir-e-não-preciso-dizer-se-posso-so-tenho-de-dizer-que-vou, que todos nós sabíamos quem lá vinha, como vinha e quando, podendo recusar também a visita, fazendo com que o requisitante ficasse com vontade de evacuar muito. Um serviço quase gratuito. Por apenas duas beterrabas e meia por mês, tinha-se este serviço.
Hiper desloquei-me até ao local de lavagens. Hoje não sei porque, estava com menos radiação que o costume, mas mesmo assim pedi a lavagem Zing. Logo de seguida em hiper deslocação, fiz-me chegar à sala das calorias e ingeri o que podia e mais gostava.

O tipo de alimentação utilizado nestes centros sociais era todo à base de comida falsa. Toda a comida era processada com a finalidade de não provocar qualquer tipo de risco para a saúde das pessoas com quem se estava. Este tipo de sistema fez com que nada nem ninguém pudesse comer sozinho, mesmo pessoas que nunca tenham trocado fluidos.
A alta radiação fazia com que todo o tipo de conversa na rua, fosse feita só dentro de pequenos círculos que flutuavam por toda a cidade. Abrir a boca no exterior, ou a caminho seja de onde fosse, seria um desastre territorial imenso. Assim, os vários níveis de lavagem eram determinantes para o bom funcionamento das regras de sobrevivência. Desde a Alça, passado pelo Zing e a mais potente, a Frust, tornavam todo o corpo mais saudável e com menos probabilidades de apodrecer.


Passados quarenta e três minutos, tempo calculado para a minha refeição, efectuei algo que já tinha saudades. Vomitei, coloquei tudo no misturador de moléculas e fiz o meu gato. Comi-o com o sorriso nos lábios. Ainda levei uma penalização, por não ter informado que iria tomar aquele tipo de atitude e assim demorei mais tempo do que se tinha calculado. Odeio ser penalizado! Desta vez custou-me uma pêra podre, muito apreciada na casa dos Almeida.
Após ter engolido o resto do meu gato-alimentar, masturbei-me, penetrei na Amália, arrotei e por fim bebi água azul. Estava satisfeito. Falei mais uns quatro minutos e um quarto com a minha querida Amália e voltei para o meu bairro. Tinham reparado o sistema de elevação, mas azarento como sou, como tinha trazido a casa, não pude utilizar o sistema. Ainda para mais neste momento não é necessário despender qualquer tipo pagamento. Estas borlas eram atribuídas porque os sistemas tinham sido implementados há pouco tempo, não havendo assim responsabilidade de qualquer tipo de acidente. Mais uma hora e três minutos e estava de novo em casa.
Mal cheguei a casa dormi mais dez horas e fui para o trabalho.
No dia seguinte reparei que podia muito bem ir a pé, pois ainda tinha uns créditos extra que consegui na lotaria do segundo dia do mês trinta e quatro. Fiz-me ao caminho, a longa caminhada de sete minutos seria extenuante e estonteante. Procurei ir o mais rápido possível, para que a fraqueza não me atacasse e ficasse a meio caminho. Passados quatro minutos encontrei-me com a minha amiga Amália. Fiquei estupefacto, pois como poderia ser possível estarmos ali os dois a caminhar a pé? A Amália não caminhava há pelo menos dois séculos e eu ia pelo mesmo caminho. Só poderia ter um significado este encontro: sexo. Fizemos durante treze dias. No final estávamos com muita fome, pois não tínhamos comido nada, nem nos tínhamos lavado. Os nossos corpos estavam a atingir a o cheiro morsa e a putrefacção era esquivamente a três anos a conviver com gentes do norte.

“Quem quer que vivesse debaixo de uma certa influência paranóica teria de fazer todo os dias umas valentes bolas de ranho e distribuir por todo a província montado em camelos alados, armado de varapaus até ao olhos” Nota tirada do manual do bom homem do norte quente. Este tipo de sujeitos eram os habitantes do norte do pais, dai a comparação estes e os habitantes de cada região. Já os habitantes do sul eram mais estranhos e usavam coisas na cabeça para se tornarem mais influentes nas padarias de pão cru. Altamente complexos, por serem todos amigos do inimigo, era muito complicado ter qualquer tipo de conversa permanente, durante mais de quinze minutos. Ex: Eu sou o primeiro a ter que inventar algo para não estar a pensar o que podem fazer por mim. Que achas disto amigo (inimigo)?
Por este exemplo podem ver como é complexa a forma de agir destas gentes. Só uma das cidades do sul detinha condições para a realização de desporto, de qualquer forma possível e imaginária.


Após o grande deserto de sexo passado com a minha amiga Amália, passei mais três minutos a pé e fui trabalhar.
O meu trabalho era muito parecido com o que todos faziam na bimetropole. Este grande centro de pessoas que nada faziam e tudo queriam ter, desenvolviam trabalhos altamente avançados, tão avançados que nem os próprios sabiam o que faziam. No entanto era de tal forma avançado que o trabalho aparecia feito. E porquê? Fácil! Há sempre meia dúzia de indivíduos, que normalmente são atarracados, que desenvolvem trabalhos altamente qualificados e que produzem tudo. Os outros, nem sequer mandavam em nada, não tinham chefes, eram pura e simplesmente parasitas. Eu fazia parte das pessoas parasitas. Era muito bom.
Naquele dia e por uma razão verdadeiramente simpática, tinha quatro garrafas de Grinfos. Bebida muito utilizada para a cura das borbulhas nos pés, era também um grande inibidor de pulgas nos sovacos. Sentei-me, mexi nos papeis e fui-me embora. Estava cansado. Passados três dias e meio viria para mexer em mais meia dúzia de papéis. Levei as garrafitas e fui-me embora.
No dia seguinte entrei de férias. Estava tudo combinado, iria de férias para morrer. Já tinha lá estado uns três ou quatro mês, não me recordo bem. O problema destas férias é o facto de nunca se saber ao certo quanto tempo se vai lá ficar. Era muito divertido! Durante o tempo que lá estamos podemos fazer coisas incríveis. Não vou dizer pois tenho vergonha.
A minha vizinha era muito amiga da outra, que morava no prédio ao lado e passava os dias a deslocar-se pela manga. Eu que estava sempre atento, uma das vezes consegui uma boleia na manga dela e conheci a amiga. Ambas bateram-me como era de esperar. Convidei ambas para um mês de morte. Só a mais alta acedeu ao meu pedido. A outra quis lá ficar mais tempo, mas eu não podia, pois tinha usado todos os meus caramelos de verdemã, que eram necessários para passar mais dias em morte. Desta vez ia ser de arromba, tinha juntado cerca de dezassete caramelos, estava cheio de sorte e muito feliz, ainda para mais ia com duas amigas que não gostam de sexo encaracolado.

Em tempo de paz todo o povo da Ingrícia, província alagada pelos grandes degelos do aquecimento provocado pelas lareiras iónicas, passavam muito tempo em suspensão e em largos campos de férias. O ar era rarefeito e pouco se podia fazer, já a temperatura era tão inferior a zero, que nem se conseguia contar. As pessoas passavam longas horas deitadas umas com as outras e rebolavam muito, faziam muitas cócegas nas palmas das mãos com penas de abutre verde. Era muito divertido.
Em duas ou três ocasiões do ano, os grandes senhores das terras inférteis, juntavam-se todos em casa do grande Director Supremo e falavam, congeminavam, palravam, emborcavam e suspiravam muito também. Nestas reuniões, para além do que já foi dito, também eram decididos quais os caminhos da nação. Sendo estes senhores os responsáveis máximos do poder mais alto das coisas que não interessam, podiam tomar qualquer de decisão que teria de passar por toda a burocracia possível e imaginária, demorando mais tempo que cada um deles pudesse viver. Assim, as decisões eram tomadas à mesma, mas as realmente importantes, eram tomadas de repente e pela senhora que faz arquivo. Esta informação era ultra secreta. Só duas pessoas sabiam; a mãe, que já tinha padecido e a avó, que não sabia se estava viva, ou não. Altas decisões eram tomadas do alto daquele edifício, no último andar, enquanto arquivava coisas sem nexo.


Voltei de férias e não sabia como pegar no trabalho, por isso não fui ver os novos horários e fiz os antigos. Fui logo colocado em sítios que ninguém queria ficar. Aí sim, trabalhei como nunca. Foi muito divertido. Passei a achar que era uma pessoa. Os outros olhavam-me com desdém e não falavam comigo eu achava isso muito giro e fiz um pequeno jogo. A cada vez que alguém me olhasse de forma diferente, dava-lhes um bombom. Assim podia ficar mais tranquilo comigo e achar que era uma pessoa válida.
Dois dias daquilo e apaixonei-me pela mulher do arquivo. Seria a última coisa que me podia ter acontecido. Esta pessoa era muito pouco importante na empresa e de nada me iria servir estar assim desta forma pela cachopa. Era linda, bela. Estava verdadeiramente embeiçado. Mudei de casa, que nos dias que corriam demorava uma tarde e passei a morar mais longe da casa da Amália. Ela ainda reclamou durante uns tempos, mas depois dei-lhe um urso pular e ficou mais satisfeita.
Estava a viver o amor da minha vida e tinha o emprego mais estúpido do planeta. Era neste momento muito feliz.
Passados três anos, falámos em filhos, mas ela não entendeu e foi ter com o meu pai para perguntar se tinha sido bom pai. Falámos de novo e só aí entendi que o problema era mais grave. Tinha casado com a responsável do país. Fiz então as malas e mudei-me para o palácio das pessoas. Aí fui ainda mais feliz, pois podia ter todo o tipo de coisas que para nada me serviam, mas que me faziam ser parvo. A minha querida mulher, sempre bela e sem tempo para mim, arquivava sozinha e dava uma larachas. Falava muito sozinha.

As gerações mais recentes queriam ser mais intervenientes e empenhadas em destruir o que se tinha feito até então e voltar a construir de novo. Este dogma Anárquico fora introduzido por um grande pensador de todos os tempo esquecidos e onde se podia pisar o chão virgem, que na altura estudava uma forma de errar sempre sem ser apanhado. Todos os jovens estavam encantados com estes ensinamentos. Seguiam à risca o que este anormal tinha pensado. Era muito complicado conviver com eles, pois qualquer coisa que fosse dita, gritavam sempre em resposta: Apre!
Isto é extremamente desconcertante. Algo foi feito para combater este flagelo. A mesma palavra passou a fazer parte de um conjunto de palavras mudas. Ou seja, quando proferidas não faziam qualquer tipo de sentido. Assim, o velho Apre, deu lugar a: .... . Foi muito bom e viveram todos muito felizes.


Às portas da morte finalmente consegui falar com o meu padre de crisma. Foi muito interessante saber que ele não gostava das mesmas comidas que eu. Morri a saber a carne de porco no forno macrobiótico. Muito bom, em especial nos dias pequenos.
Foi muito divertido.

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