sábado, 30 de junho de 2007

Sintra, anos 80.

(Para aqueles que se queixam, imprimam e leiam)


Resolvi embarcar numa pequena aventura com uns amigos “gadelhudos”, não do “Heavy” mas do “Gótico”. Digo aventura, pois para alguém que morou mais de 15 anos na Margem Sul, é uma aventura ir de transportes de Almada a Sintra. Objectivo: Parque de Campismo do Convento dos Capuchos no seio da Serra de Sintra.
Devia ser Novembro, o tempo estava muito inconstante, como é normal para essa altura do ano. Fiz a mala em casa e peguei na tenda, que tinha usado uma vez e mal a sabia montar.
Fiz-me ao caminho. Juntei-me ao grupo em Cacilhas, para a grande travessia. Lembro-me muito bem, parecia que ia com um grupo de bimbos que fazem pela primeira vez a travessia do Tejo. Mas o pior foi quando chegámos a Lisboa. Era tudo deles. Acho que se esqueceram que em Almada também há passadeiras e semáforos. Fomos a pé desde o Cais do Sodré até o Rossio. Uma atrocidade. Chegámos à estação de comboios e parecia que ninguém sabia o que era aquilo… Achei tão estranho estar a tomar conta de tanta gente crescida, mesmo não sendo, que resolvi observar o que faziam. Foi muito engraçado, chegando mesmo a ser cómico. Eu até pensei que estavam já drogados, e estavam, mas não daquela forma. Eu ria por dentro. Pensava se não estariam a ser “bobos da corte”. Era quase ridículo. O mais interessante é que as duas raparigas do grupo, as que não tinham namorados, estavam comigo. Mas soube bem. Este tipo de atitude é normal em mim quando tenho que ser racional, mas quando não é necessário, é complicado. No entanto, achei que haveria tempo para dar largas à minha imaginação quando lá chegasse. Como já conhecia bem a linha de Sintra, pois vivi na zona uns outros tantos 15 anos que dão para saber muito bem quais os melhores atalhos, assim, confiavam em mim para saber qual o transporte a apanhar. Senti-me bem a comandar as tropas, só não achava piada quando começavam com asneirada ao pé de pessoas mais velhas. Eu achava que dava mau nome a Almada, ou há Margem Sul. Pensava eu que as pessoas nos reconheceriam, como reconhecem nómadas de uma tribo. Pois… mas o que acontecia é que não havia distinções. Seguimos todos na gaiola. Gaiola é o nome que se dava à carruagem, que ficava num local qualquer no comboio, sendo o mais habitual no fim, ou no princípio do comboio. Os vidros eram reforçados por arames, quadriculados e tudo tinha um aspecto de área de combate. Era também onde o maquinista ficava, bem como o único sítio onde se podia fumar, sendo também um bom sítio para transportar todas nas nossas malas e tendas. Meio caminho andado e já iam no vigésimo charro, o que tornava tudo muito nublado. Lembrei-me de uma coisa. E comida? Eu levava enlatados, e eles? Pois… como será óbvio… nada! Ainda pensei se iriam comer da minha, ou se estavam à espera que as “mulheres” do grupo teriam essa incumbência. Pelos vistos a fórmula era comprar quando não tivessem. Pareceu-me justo. Sabendo que lá em cima não haveria nada. Ainda pensei se estavam a pensar arranjar um café onde houvesse Bolicaos, mas depois convenci-me que era mesmo uma questão de burrice, ou de falta de planeamento. Até havia um que já tinha sido dos Escuteiros, mas já tinha sido há muitos anos (4) e já não se lembrava. Eu sabia bem o que tinha.
Chegámos à Vila de Sintra. Qual a primeira coisa que tentamos fazer? Chegar pelo caminho mais curto aos Capuchos. Ora para quem conheça um pouco da Serra, sabe que dali até ao Capuchos não há como… a não ser que tenhamos algo que fure a terra, ou que possamos passar por dentro de propriedades, etc, etc… Dei a minha dica e foi bem aceite. Volta do Duche, Palácio da Vila de Sintra e começar a subir. Ainda houve quem achasse uma estupidez… foi o escuteiro. No entanto consegui demover a maior parte do pessoal. Subir e subir e subir. Caminhar pela estrada e subir. Eram já quase 3 da tarde e num dia de Inverno, era normal que a luz começasse a fraquejar, havendo algum pânico por parte das hostes femininas. Mas uma palavra tranquilizante do chefe de fila: O escuteiro. – Seria sempre bem vinda:
- Se nos perdermos vai ser baril, assim podemos vos comer e ninguém irá ouvir! – Dando um gargalhada solitária.
- Que piada gira… - responderam com desprezo.
E com este tipo de picardia lá íamos. Não sei bem ao certo quantos quilómetros são, nem quantas horas passámos na estrada, sei que já era quase de noite quando lá chegámos. O que valia era umas luzes que existiam dentro do parque… Como é óbvio, não havia qualquer tipo de condições para a prática do campismo no parque, se é que se podia chamar parque aquele lugar. Juntámo-nos a uns amigos que já lá estavam, há mais dias. Essa reunião foi muito estranha, um misto de alegria, repulsa e pedido de ajuda. Eram 3. A única luz que tinham provinha de uma lanterna. Eu não quis acreditar. Tinha que montar a tenda no escuro profundo. Estava cansado.
Lá para as 2 da manhã acabei de montar a tenda. Nessa noite dormi sozinho. No outro dia e como seria óbvio, não havia comida para todo, muito menos bebida. Claro que começou a chover. Serra de Sintra = a chuva. Porque era mais perto, descemos pela encosta Norte até à próxima localidade. Andámos um par de horas. É lindo caminhar pela Serra. Dá uma tranquilidade muito grande. A maior parte do tempo íamos todos calados, só se ouvia os paços, a chuva, que era miúda, e o vento. Quando estávamos a chegar, passámos por um palácio, semi-abandonado. Lindo! Cheio de mistério. A natureza há muito que se tinha apoderado dos jardins e outras partes da propriedade. A casa, neste caso, palácio, parecia que nos convidava a entrar. Estávamos todos em frente ao portão principal, não nos conseguimos decidir. Até que… o escuteiro… disse:
- Pá, temos que ir comprar mantimentos, caga nisso!
Claro que as raparigas que estavam do lado dele, pois toda aquele cenário arrepiava. Eu fiquei para trás, ainda fui olhando para a casa quando caminhava. Parecia mesmo que algo me convidava a entrar. Resisti.
Chegámos à povoação. Fizemos as compras certas: Latas de salsicha, batatas fritas, ketchup e muita cerveja. Este último item, trazia um pequeno problema. Quem o transportava? Prontamente alguém aconselhou que fosse o… escuteiro. Já se ia fazendo tarde e iniciámos longa caminhada de volta.
Mais uma vez o palácio, desta vez não parámos. Estava alguém ao portão. Nem nos atrevemos a olhar. Eu sim… enquanto caminhava observei. Que figura estranha. Alto, muito magro, de olhos carregados, que mal se viam, pois tinha um chapéu em bico enterrado na cabeça, de braços pendidos, pareciam enormes. As vestes eram velhas, mesmo muito velhas. Com um ar muito sério, de quem não sorri há vários séculos. Após um cruzar de olhos, voltou costas e saiu do portão. Eu como sempre era o último, não tive coragem de voltar a olhar. Sei se alguém me tocasse no ombro naquela altura, o coração iria parar. Só passados vários minutos é que olhei para trás. Já nem se via o palácio e não estava ninguém atrás de nós.
Mais à frente e porque estava tudo entediado, resolvemos fazer uma espécie de corrida. Rapazes contra raparigas. Tudo começou porque alguém disse, e é escusado dizer quem, que se os rapazes não estivessem ali, as raparigas não conseguiriam chegar ao acampamento, sozinhas. Claro que se gerou logo ali uma pequena guerra. Deixámos que elas partissem e saímos passados 10 minutos. E lá fomos.
Andámos e andámos e nada delas. Claro que achei que elas iam conseguir, até que… Começámos a ouvir gritos de socorro. Apressámos o passo e quando estávamos bem perto delas, vimos que estavam no gozo. Estavam no meio do mato, chamavam por nós, diziam que estavam perdidas e depois riam-se. Deixámos que continuassem até ficarem mesmo em pânico. Passado uma hora, os gritos já começavam a ser de desespero. Resolvemos ir ao encontro delas. Dividimo-nos em 3 grupos e fomos assusta-las. Claro que não conseguimos nada, pois o barulho das garrafas de litro de cerveja ouvia-se a quilómetros. Mas elas estavam mesmo perdidas. O pior é que também nos fizeram perder. Estávamos no meio do mato, os caminhos multiplicavam-se. Eu, sempre cá atrás, estava muito descontraído. Sabia mais ou menos que estávamos a caminhar na direcção errada, pois estávamos a caminhar muito para poente. Mas deixei andar. Mais uma hora de caminho e resolvi intervir.
- Pessoal, estamos perdidos. - Disse eu com os braços no ar.
- Não me digas... – Respondeu o Rui com um ar irónico.
- Sim, eu sei que pensavam que estavam perdidos há mais tempo. Mas eu tenho vindo a observar e estamos a caminhar muito para poente.
- Bem! Temos aqui alguém que está orientado! – Disse o escuteiro, irónico. Começaram todos a rir.
- Como é? Querem a minha ajuda ou não?
- E achas que consegues nos ajudar e não vais fazer pior?
- Se me deixarem ajudar, vão ver que estamos no acampamento em menos de uma hora.
- Isso é que é confiança. Ok, faz-te à vida.
Subi a um ponto bem alto e levei o meu amigo Rui comigo. Disse-lhe que tentasse encontrar alcatrão, ou um carro. Era muito difícil, estávamos mesmo no meio do mato, a única coisa que nos envolvia era mesmo só o verde do mato. De repente, avistei um carro numa estrada.
- JÁ ENCONTREI! VAMOS! – Gritei eu para o pessoal.
Fizemo-nos ao caminho. Em 15 minutos estávamos numa estrada. Só tinha que saber qual a direcção em que estávamos. Esperámos mais 10 minutos e lá apareceu um carro. Estávamos com sorte, pois era fim-de-semana e havia mais carros a passear do que era costume. Tentamos parar o carro, aos saltos e aos gritos no meio da estrada, mas não sei porquê o carro não parou. Achei estranho. Depois pensei um pouco e percebi logo. Éramos cerca de 8 pessoas, todas molhadas, de veste negras, alguns de cabelos compridos, com muito mau aspecto… eu também não pararia.
- Filho da puta! – gritámos todos.
E o carro parou de repente. Pensei que nos poderiam querer fazer mal, pelas palavras proferidas, mas como éramos muitos fiquei logo mais tranquilo. Alguns de nós correram para o carro. Ficaram um pouco à conversa. Depois o carro foi e eles voltaram para junto de nós.
- É por este lado. Temos que ir por aqui. – disseram os meus amigos.
Fiquei mesmo contente. O mais engraçado foi o que levou o condutor a parar. Pensou que queríamos fogo para acender um cigarro… Estranho!
Não sei o que se passou desde que eu disse que queria ajudar, mas uma coisa era certa, estava tudo a correr bem. Iniciámos a caminhada pela estrada fora, não devíamos estar muito longe. Não passava carro nenhum. Do nada apareceu uma carrinha de caixa aberta, do tipo pick-up. Pararam ao nosso lado e perguntaram
- Querem boleia?
Não queríamos acreditar.
- Não somo muitos?
- Vocês é que sabem… se couberem!
- Claro que sim!
E saltámos todos lá para trás. Foi lindo! Mais uma vez havia alguma coisa que me perseguia, como uma luz. Pensei na pessoa do portão e arrepiei. Dei um sorriso e agradeci.
Deixaram-nos mesmo perto do acampamento, agradecemos e eles seguiram caminho. Penso que nos acharam um pouco loucos, chegando mesmo a sentir pena de nós. A chuva ora abrandava ora voltava a cair. Estávamos todos com fome e tínhamos que acender uma pequena fogueira para aquecer as latas de salsichas. Eu precisava para aquecer as latas de comida enlatada, mas com a chuva, era impossível. Como nada resultava, foi mesmo frio. Soube tão bem! Mesmo muito bem. Claro que sempre acompanhado por muita cerveja. A noite já tinha chegado e o silêncio só era quebrado pelo estalar de uma ou outra árvore, pelas nossas vozes, que cada vez estavam mais caladas pelo cansaço e pelo vento, acompanhado de alguma chuva. O sono e o cansaço deram cabo de alguns de nós. Assim, fui-me deitar. Alguns foram para o convento dos Capuchos. Essa era a ideia original do acampamento, visitar o convento à noite. Eu não fui nisso.
Estava um pouco molhado, pois tinha passado a maior parte do dia a levar com chuva e com a humidade e frio que se fazia sentir, não estava a ser nada fácil aquecer. De repente oiço o fecho da minha tenda abrir e vozes de raparigas.
- Podemos?
- Hum… sim.
- Se não queres vamos embora.
- Não, entrem, entrem.
Pois é. A tenda onde estavam 3 das raparigas, ficou ocupada por uma rapariga e um rapaz, logo as outras foram despejadas. E para onde iriam elas? Para a minha tenda. Bem, eu fiz imediatamente uma série de filmes, mas a verdadeira razão era que estavam cheias de frio e acharam que ali iam aquecer. Eu estava no meio, uma do um lado e a outra do outro, agarradas a mim e tremiam mais que varas verdes. Eu passei a noite a tentar aquece-las. Tanto agarrava uma como outra, mas foi muito complicado. O pior foi quando comecei a sentir o corpo de uma delas e a tentação de ter algo com ela. Mas de imediato me passou a ideia. Como aliás faço com quase tudo o que diz respeito a estas coisas. Não sei explicar.
Eu não sou grande especialista em montar tendas e como estava o tempo, teria que ter cuidados extra, como por exemplo fazer canais de escoamento para a chuva, para não ficar debaixo da tenda. Pois… não os fiz( )e comecei a sentir água nas minhas costas. O que vale é que elas já não tremiam e dormiam tranquilamente. Não sei se foi pelo cansaço, se por outra coisa qualquer, adormeci.
Acordei e só já estava uma das raparigas na tenda. A tentação foi tanta. Ainda por cima era a que tinha achado mais gira. Agarrei-me um pouco a ela. Adormeci de novo. Quando acordei, já não estava lá. Foi meio estranho quando sai da tenda. Foi como se nada se tivesse passado. Não liguei.
Sentia-me sujo e queria tomar um banho. Perguntei onde o podia fazer e chamaram-me louco. Isso já eu sabia. Havia uns balneários ali perto, mas como é óbvio, com água fria. Mesmo assim tomei. Já passaram muito anos após esta aventura, mas ainda me lembro deste banho, como se fosse hoje. Os gritos ouviram-se na Vila, de certeza! A água estava tão fria, que depois de tomar o banho fiquei cheio de calor. Soube mesmo bem.
Fome de novo. Já não chovia e deu para acender uma fogueira. Juntámo-nos em volta dela a contar as coisas da noite anterior. Não falámos da minha noite com as raparigas. Principalmente falaram das coisas que viram e ouviram no Convento à noite. De arrepiar. Agora que se passaram muitos anos, sei bem que estavam a exagerar e as pessoas que viram, eram os guardas do Convento, bem como a droga a falar, mas tinham muita imaginação.
Chegara a hora de desmontar tudo. Eu e mais uns quantos íamos embora. A cerveja mais uma vez tinha acabado.
Já com tudo arrumado, saímos. As duas raparigas foram comigo, mais o Rui e outro. Os outros ficaram lá.
A descer era muito melhor. Chegámos num instante à estação de comboio da Sintra.
Muito poucas palavras foram ditas. Era um misto de cumplicidade, cansaço e timidez.
Apanhámos o comboio, ficámos de novo na carruagem gaiola. Dei um último olhar para a Serra e pareceu-me ter visto a pessoa do portão. Olhei nos olhos dele e sabes o que ele fez?
Sorriu.

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