sexta-feira, 18 de junho de 2010

Era um bom dia

Saí bem cedo da minha cama. Espreitei pela janela humedecida e opaca pelo bafo da casa, o dia estava fechado, sem um único vestígio de céu azul e a temperatura agora indicava no termómetro pendurado na parede exterior, -15 graus centígrados. Não se podia dizer que seria ainda dia, pois tanto a bruma, como ainda a luz muito azulada, indicavam indícios de madrugada. O silêncio era só quebrado pelo ressonar do Alberto, que pelo som que produzia, teria bebido bastante na noite anterior, bem como o cheiro inundava a sala, mesmo ampla e cheia de fugas de ar. Fiz café, fumei um cigarro, tentei aquecer-me nos resquícios da lareira, peguei no meu equipamento e zarpei. Quando pus os pés no chão da floresta, mal se viam. A luz da madrugada, envolvia tudo. Respirei fundo e fiz-me ao caminho. Passados alguns minutos, tudo mudara de cor, agora a luz branca da manhã e cheia de névoa, salpicava tudo. O pisar da neve e a minha respiração, eram as únicas coisas que se ouviam, mesmo estando alguém a um metro de mim, não ouviria. A névoa era de tal forma espessa que não deixava que o som se propagasse. O caminho era difícil, mas conhecia-o como ninguém. Cada árvore, cada arbusto, cada passo, tudo me era tão familiar, como a pele que tenho sobre o corpo. Na melancolia de todo aquele ambiente, pensava o que podia acontecer se um dia nada daquilo existisse de facto. Pensava também em pessoas que conhecera e outras tantas coisas que me invadiam a mente, sem muito nexo, mas que me provocavam uma saudade atroz. Sei que todos os dias tinha esta sensação de que algo me iria acontecer, talvez porque quase sempre todos os dias caminhava por esta matas sozinho. No entanto neste dia, senti que o tal acontecimento não seria bom, nem mau, seria só um acontecimento que me iria marcar dalguma forma. Talvez até nem acontecesse comigo, mas sim com alguma coisa que me envolvesse. Caminhava agora bem mais devagar, invadido por um cansaço estranho, um cansaço que me derrotava, um cansaço de velho às portas da morte. Não liguei e continuei em esforço. A cada passo que dava ouvia gritos vindos dentro de mim, que suplicavam que parasse, que pelo menos abrandasse, no entanto a minha alma mandava-me seguir numa luta pela sobrevivência. Não tinha sentido, dava um passo atrás do outro, com uma terrível vontade de parar. Nunca nada igual me acontecera, eu mais que todos era o que mais caminhava e sempre mantendo um passo firme. Eram poucos os que conseguiam acompanhar-me. Vindo sabe-se lá donde, ouvi um sussurro. Ao ouvi-lo, franzi as sobrancelhas e pensativo, parei. Desde que me conheço que nunca tinha feito algo do género, mesmo quando o mestre Sebastião me ensinara o caminho, nunca o tinha feito. Nunca me foi explicada a razão para não o fazer, mas foi por demais referida que não o deveria fazer. Mas de facto, parei. Parei e não sentia vontade nenhuma de voltar a andar, se bem que não me sentia cansado, só uma vontade de parar, de não mais andar. De facto tantas vezes que fizera aquele trajecto e nunca me tinha apercebido da beleza de tudo aquilo, mas também não era pago para isso. Já ali estava há uns minutos e, nada, a vontade de continuar era um misto de querer e não saber como. De repente senti um formigueiro nos pés, que lentamente subia pelas minha pernas, fiquei imóvel, um arrepio frio percorreu-me a coluna, um arrepio de medo, medo de morte invadiu os meus olhos, mas não conseguia dar nem mais um passo, estava petrificado, parado, congelado, agarrado. Agora sim, senti que devia continuar e ordenei a todos as minha fibras que se mexessem e utilizando todas as forças unidas em mim tentei mexer um dedo do pé, alguma coisa que fosse, mas nada. O pânico começou a tomar contornos de suor frio, que descia pela minha face. Tentei de novo e senti que a carne se desligava do corpo, provocando uma dor lancinante. A dor era de tal forma intensa que não conseguia gritar, ou se quer articular qualquer tipo de palavra. Tentei de novo e nada, pois a dor era superior à vontade. Pensei se estaria a acobardar-me, mas de facto os movimentos estavam parados, o meu corpo não respondia à minha mente. A cada milímetro que o formigueiro me percorria, o pânico aumentava duma forma exponencial, mas ao mesmo tempo sentia a paz dum último momento, duma última palavra, dum último suspiro. Estava aterrorizado e em paz. Não sentia calor nem frio, sentia sim que todas as fibras do meu corpo ficavam sem qualquer tipo de elasticidade, ou se alguma teria, seria mil vezes inferior à que tinha. Agora todo o meu corpo estava petrificado, a única coisa que conseguia mexer eram os olhos e partes do meu nariz. Tentei olhar para baixo e procurar os meus pés. Via com terror que se tinham unificado à terra, num só, estando agora cravado no solo firme. Por mais que a minha mente quisesse, nada se mexia, só mesmo os olhos e a ponta do nariz. Pensei o que me estaria a acontecer, porquê agora? Porquê eu? Para quê? Com que intuito? Não tinha resposta para nada, o que sentia era omnipresente e potente. Nada, nem ninguém poderiam fazer o que quer que fosse, nem mesmo estando ali comigo. Talvez o sofrimento seria a dois, ou mais, pois todos estaríamos assim. A paz mais uma vez tomava conta destes pensamentos. Olhei em frente e vi que o caminho que outrora seguia o seu rumo, se tinha desviado e agora passava-me ao lado. O sol que já iria alto, rasgava agora as nuvens e os raios de sol, como relâmpagos, penetravam em tudo o que atingia, numa força extraordinária. Senti uma energia sobre-humana, senti vida nova dentro de mim, que vinha dos pés, subia rápido pelas pernas, atingia o meu tronco e fixava-se agora no coração. O que senti naquele momento só pode ser compreendido como o rasgar de todas as fibras do meu corpo e ao mesmo tempo que o sangue era bombeado para as extremidades do corpo, lá ficava, bloqueado, parado, sem movimento. Não podia controlar absolutamente nada. O sangue que pela última vez seguia o seu rumo, e no final, não retornava, lá ficou para sempre, no fim. Senti então um fluxo, muito suave, muito calmo, que na vez do sangue, agora me percorria. Todo eu estava agora parado, nem mesmo a ponta do nariz, só um movimento muito ténue dos olhos, que olhava o horizonte, na busca de socorro, mas não conseguia falar, só mesmo chorar, sendo as lágrimas gotas de água que me escorriam pela face, sem eu sentir absolutamente nada. O sol tocou-me com toda a sua força e do meu peito senti que algo despontava. Eis a primeira folha.
Ainda consegui um último: Alberto, espero que sejas rápidos no corte.

2 comentários:

  1. Apesar de ja teres postado isto há algum tempo, só hoje é que li como deve ser.
    Acredita que quanto mais vou lendo mais me babo...

    Um dia tens que escrever a tranformação em abóbora-menina!dava pano para mangas! :)
    congrats empacotados :)

    ResponderEliminar
  2. É favor não babar dentro da área de controlo de passageiros! A abobora é um animal em vias de extinção, certo? Quiçá senão adopto uma... quanto ao pano, só popline! A ver...

    ResponderEliminar

CU menta!