segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
A concha
Ao cair da tarde conheci uma concha, era normal, tinha cores normais, vistosas mas muito normais. Como que do nada encontrei-a, estava na praia, ali, junto à água. Peguei nela, limpei a areia, olhei-a e ela olhou para mim, tímida. Sabia que o lugar dela era ali, naquela praia, mas de qualquer forma tomei-a comigo. Não tive coragem de a tirar da praia e depois do por do sol, ali fiquei, nada disse, só a olhava. Não sabia o que dizer. Já sem luz do sol, olhei o céu estrelado e vi a lua. Brilhava como nunca, iluminava toda a praia, não havia mais nada, só eu a praia, o mar, a areia, as estrelas, a lua e a pequena concha. Com a luz da lua, outras cores foram surgindo da normal concha, tornando-se numa concha maior, com luz e vida próprias. Vislumbrei algo que me deixou boquiaberto. A face duma donzela, que me olhava. Olhos doces e escuros como a noite, meigos e ternos como a sua brisa que me tocava na minha face, querendo acariciar-me. A sua face era como a própria concha, normal, mas tão bela, mais bela entra as mais belas. Os meus olhos brilharam quando um sorriso da sua boca, imaculada, surgiu. Quase chorei e vindo das entranhas da pequena concha, uma pequena, mas gigante mão, tocou a minha face e amparou uma gota de lágrima, deixada cair pela felicidade do momento. Sorriu de novo. Eu sorri de volta. A concha agigantava-se em forma de mulher, bela e normal, mas de uma sensualidade sem igual, tal como a concha que peguei. Longos cabelos castanhos escuros, tapavam-lhe parte da face, de contornos suaves, duma tez clara, celestial, pele como seda, perfeitamente normal, nariz pequeno que só apetecia tocar, as maçãs do rosto em perfeita harmonia com os contornos nos maxilares e queixo, incrivelmente belo. A luz da lua não podia iluminar tanto aquele corpo, a luz que brotava era dum branco e azul que aquecia o coração, que enchia o espaço onde estávamos e formava uma barreira, nada nem ninguém conseguia lá chegar, mesmo que houvesse quem quer que fosse ali por perto. Senti um puxão, puxava-me para junto dela, mas não sentia a sua mão, só o magnetismo do seu corpo, que me puxava para junta dela. Estava já na plena forma duma mulher e eu ali estava, sem entender como podia ser, como duma normal concha, pode brotar tal normal mulher, do mais belo do universo. Estava agora à minha frente de joelhos e eu em frente a ela, de joelhos também. Tinha-me arrastado alguns centímetros na areia e cada vez mais próximo estava, mais ela me olhava e puxava. Estava tão próximo que ouvia o seu coração bater, como se estivesse dentro de água, num som grave e suave, que vibrava o meu corpo e batia em simultâneo com o meu, num embalo de fazer crescer ondas no mar. Continuava fixo na sua face, o seu corpo estava coberto por algas marinhas, dum verde profundo e brilhante como que se o sol ainda lhe brilhasse. Não pude evitar de ver as sua formas, belas e de tão normais que eram, faziam tudo parecer ainda mais belo. Estava muito próximo dela, quase lhe conseguia ver a alma, linda, bela, fabulosa, incrivelmente bela e normal. Aproximou a sua boca da minha e disse:
- Para me teres, terás de morrer. – Numa voz profunda, meiga, doce, melódica e envolvente.
Olhei nos olhos e disse:
- Mata-me com o teu amor.
Estas palavras ecoaram pelas falésias da praia, pelo céu, pelo mar, pela ar, por debaixo da areia, e ressoavam de novo na sua face nos seus lábios e seios. Estendeu os braços e apertou-me junto do seu peito. Senti o meu corpo a fraquejar, senti os meus membros a perderem força, num desespero de querer viver e não conseguir, se respirar sem puder. Definhava ali, o meu corpo deixava de existir. Senti um pavor tremendo, não sabia se queria e resisti. Tarde demais... Estava já dentro do que se pudesse chamar corpo, no dela. Ela, ainda mais se agigantava a brilhava, na praia deserta. Despedia-me do meu pobre corpo, que para nada servia, jazia, ali, morto, sem vida. Eu? Estava onde sempre quis estar, no seu seio, dentro dela, vivo, mais vivo que nunca. Olhei o mundo pela ultima vez e zarpei rumo ao mar. A concha caiu no chão, sem vida, normal, com cores vistosas e normais, para o nascer do sol, mais lindo de sempre, numa explosão de viva e cor. Rumamos ao único sítio onde nunca devíamos ter saído, o mar, o vasto e longo mar. As nossas almas por lá navegam ainda hoje. Por vezes venho à praia e vejo a concha, que ainda por lá anda, na esperança de colher mais uma alegre alma.
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