domingo, 1 de maio de 2011

As pedras

Ontem conheci um rapaz que viajava com duas pedras no bolso. Só percebi o que trazia no bolso, quando no meio da pergunta: para onde vais? Ele responde tirando as pedras do bolso e atira-as para cima da mesa do café, com um gesto assertivo e ao mesmo tempo mágico. As pedras formam um padrão que nem a mim, nem a qualquer outra pessoa poderiam identificar. Responde de imediato que iria viajar para Noroeste, apontando em seguida para uma montanha que se vislumbrava pela janela. Pensei tratar-se duma alma doente, que viajava para tudo esquecer. Perguntei desta feita se sabia porque o fazia. Abanou a cabeça com toda a firmeza que não. Mas a sua assertividade continuava-me a apaixonar. Como podia um rapaz de vinte e poucos anos, não saber o que procurava. Explicou-se de seguida sem eu nada perguntar, puxando dum bloco de notas e mostrou-me o padrão da sua viagem. Continuava a não fazer muito sentido. Demonstrava que o que o trazia a esta vida, era o simples facto de puder encontrar a mãe de todas as palavras. Denotei alguma loucura naquelas palavras, mas que ao mesmo tempo faziam sentido. Comentei com ele que a grande demanda dele, era igual a tantas outras e que de facto seria uma pessoa fútil, que nada quer alcançar e o que faz não tem sentido, senão na sua cabeça. Perguntou-me se eu trazia algum tipo de referência do sentido da minha vida comigo. Claro que lhe demonstrei que isso do sentido da vida é sempre um bom tema para um livro, um poema, ou até mesmo um filme, mas que de facto a razão leva-me a pensar que é um tema que não faz sentido, visto que o “Tal” sentido da vida, é a própria vida e os objectivos são a vida, não havendo o verdadeiro sentido da vida. Sorriu e olhou-me com loucura, dando depois um risinho nervoso, de quem vai explodir. Ainda de bloco na mão, olhando para mim, desenhou-me, duma forma quase real, como que me tirasse uma fotografia, sem nunca olhar para o bloco e com uma velocidade que me fez pensar se se trataria dum humano. A questão seria, teria eu coragem para lhe perguntar? Não perguntei e dei-lhe os meus parabéns por tamanha façanha. Ele agradeceu e começou-me a explicar que o sentido da vida são os movimentos erráticos do cosmos, que num caos organizado mantêm todos ocupados com a sua própria vida e o facto de trazer as pedras e o objectivo da sua viagem, são diferentes de todas as pessoas que vivem neste mundo. Nesse momento achei-o ainda mais fútil e que a conversa dele vem em qualquer manual. Continua a dizer que o facto de nos termos encontrado, não fez parte desse caos, sendo um movimento propositado e que nada influência a vida de ninguém, nem se quer a nossa, minha e dele. Tentei interromper, mas calou-me de imediato, utilizando um gesto que nunca tinha visto. Um movimento místico, altivo, profanador, enervante, humilde e assertivo. De novo o assertivo. Olhou-me nos olhos e perguntou: se não tens a certeza, porque me perguntas? Lógico seria dizer que se pergunto, é porque não tenho a certeza, mas o que ele quis dizer foi: sendo eu a pessoa que tu não acreditas, porque perguntas? Peguei nas pedras e sem pensar, atirei-as para a mesa e dizendo de seguida: Sudoeste.

Natura

Simples, simples o bater de asas dum pardal, que na complexidade do seu voar, ensina quem curtos passos dá. A sua simplicidade magoa o complexo sentido de quem vê e não entende. Tão simples, batem-se as asas, o movimento é contínuo, ergue-se no ar, como que de magia se falasse, como que uma entidade profundo, que não se vê, o percorresse, fazendo-o graciosamente passar, voar, deslocar. Quero, voo, preciso vou, tenho fome, ergo-me. Tão pequeno e tão grande no seu gesto, simples. O movimento mete raiva, por ser tão belo. E é tão belo porque não tem raiva. Simples, simples… diz-me bela criatura: porque razão deixaste um cagada na minha camisola?