A vingança do careca.
Eram cerca das dezassete e trinta quando o carteiro trouxe a alegre notícia ao Sr. Barros. Tinha sido escolhido para uma experiência da agência. Ligou de imediato ao avô, que morava na localidade mais próxima e que não sabia que o seu neto era um vigarista de primeira.
- Avô?!
- Sim meu netinho querido…
- Vou viajar!
- Ai sim? E eu com isso…
Mal desligou a chamada fez duas malas bem pequenas, pois não gosta de andar com muita bagagem e pôs-se a caminho. Foi de autocarro, depois de metro e por fim, a pé. Foram uns longos cinquenta e cinco minutos. Como não estava habituado a viagens desta envergadura, levou o lençol de banho para se assoar entre cada paragem.
Não era uma pessoa alta, mas também não muito gorda, talvez por ser assim baixo e pouco magro, não se considerava uma pessoa gira, mas sim uma pessoa encravada. Fazia-se sempre acompanhar por um cesta de verga muito pequena, a qual guardava no bolso do casaco, onde trazia todos os documentos da família que conhecia. Os que não conhecia, guardava numa caixa de sapatos, algures num cacifo de estação de comboio, num terminal longínquo, a norte do país. Este pormenor será demais importante para o desfecho da história.
Ao chegar à agência deparou-se com um grande enigma: será que tinha deixado bem fechado o armário das bolachas? Não hesitou. Não foi confirmar, pois lembrara-se que tinha comido tudo no dia anterior, sabendo que este tipo de experiências poderá durar sempre o seu tempo.
Assim, o Sr. Barros, despiu-se de preconceitos e vestiu a bata de médico obstetra. Conas eram a sua grande paixão e como nunca tinha tido um filho, conseguia assim matar uma dúzia de coelhos com uma só cajadada.
Foram longos, os 17 anos que lá viveu.
Quando voltou a casa, tudo lhe parecia fora do sítio e trouxe consigo mais dois tiques da longa lista de tiques que já detinha. Por outro lado deixou de dizer: amanda.
Era compulsiva a forma como proferia tal palavra. Atroz!
Algo de positivo teria de advir de tal experiência.
Tal como se tinha esquecido do armário das bolachas, também se tinha esquecido da janela da sala aberta, deixando entrar os milhares de pombos e outros seres cósmicos que passaram a habitar na sala. O que lhe valeu foi que a sala era pequena e estava com a porta que lhe dava acesso, fechada à chave. Após três semanas de limpezas e pinturas, conseguiu de novo voltar a conviver com o doce sabor da liberdade.
Os longos anos que passara na agência, deram-lhe uma perspectiva nova da vida, pois agora era marreco. Para além disso, poupara bastante, pois todo o dinheiro que recebia era de imediato colocado numa conta bancária na Suíça, à qual só ele teria acesso. Mais tarde veio a descobrir que não se conhecia e nem ele tinha acesso à conta. Entretanto e porque se conhecia na altura, conseguiu tirar todo o dinheiro para depois se perder de novo na sua alma incompreendida.
Ligou à avó. Como seria de esperar, atendeu uma voz de doce mulher:
- AVÔ?!
- Não, daqui é a viúva do avô. – Disse com voz doce e num sotaque brasileiro cheio de tesão.
- AVÓ?!
- É meu querido, voltei!
- AVÓ! Que saudades…
E desligou o telefone. Nunca suportara o facto da sua avó ser mais nova que ele e ainda por cima, boa como o milho!
Ficou muito, mas mesmo muito, muito mesmo, por demais triste. O avô tinha partido sem deixar um sinal, uma carta, um bilhete, um fax, um email, algo que pudesse dizer: adeus meu querido neto. O número de conta é este e podes levantar tudo.
Isso deixou-o de rastos. Como a marreca era já muito acentuada, parecia ainda mais baixo e de rastos. Era uma pessoa mesmo muito pequena.
Tentou de tudo para reaver um livro que emprestara ao avô, mas a brasuca nunca o deixou entrar lá em casa. Convidou-a a passar uma tarde na casa dele e o máximo que conseguiu foi uma tarde de sexo estonteante. Quanto ao dinheiro, nicles!
Resolveu puxar dos galões e fez a maior viagem da sua vida, pois enganou-se rumo ao norte, em busca da famosa estação de comboios e do bonito cacifo. De uma raiva alaranjada, fez mais quatro quilómetros do que devia. Nunca mais iria se perder daquela forma parva e gigante.
Procurou pelo cacifo, mas já nem a estação existia. Sentiu um vazio penetrante. Todos os documentos dos familiares que não conhecia, tinham desaparecido. Comentou isso com o agente da autoridade que o apanhou a roubar uma bola de Berlim, com recheio. Prontamente o Sr. agente informou-o que a estação tinha sido movida para Espanha e era agora um parque de diversões parvas e sem sentido. Adivinhou logo o que se iria passar. O humor dos espanhóis era mau, ou de alguma forma diferente e por isso, menos bom, mesmo intragável!
Pediu ao Sr. Agente que lhe escrevesse a morada nas costas e fugiu. Volvidos dois dias e meio, chegou perto do cacifo. Abriu-o e dois ratos alados sorriram, perguntando-lhe:
- Diz a palavra: chave.
- Chave.
- Ai tens...
- Obrigado.
Pegou nos documentos de todos os familiares que não conhecia e ficou na mesma. Tudo tinha perdido o sentido. Mais uma vez tinha-se perdido e não sabia quem era.
- Há coisas que nunca mudam… - pensou ele embrutecido pelo gelo que comia, o qual jazia no fundo do copo de sumo de anona.
De qualquer forma voltou a casa, sempre com o sentido dos documentos que agora lhe saltavam na mão e que quase o queimavam.
No conforto do lar e, comendo porco pequeno, lá se encontrou.
No meio dos documentos dos familiares que nunca conhecera, estavam os documentos da legítima esponja, esposa, mulher e companheira durante duas semanas, de seu avô. A sua legítima avó e que ainda tinha direito a tudo, pois nunca se tinha divorciado do amantíssimo esponjo, esposo, marido e companheiro. Depressa volveu à localidade mais próxima e procurou pela sua querida e pequena avó.
Encontrou um jarro cheio de cinzas. Todas as esperanças tinham ido por água abaixo. Só havia uma hipótese, exercer o seu charme de forma inimitável sobre a mulher do seu avô, a brasuca boazona que comia tudo o que se mexia e gastava o dinheiro do velhote a seu belo prazer. Até uma vez comprou um quilo de batatas, a cabra!
Convidou-a para um jantar romântico no elevador do prédio do lado, pois tinha a sua música favorita. Correu bem o jantar e o sexo que fizeram, já o facto de terem sido presos, não foi tão agradável
Repetiram tudo várias vezes até se casarem. No dia seguinte ao casamento ela conseguiu fazer com que ele assinasse um documento que lhe dava todos os poderes sobre dos todos os bens de todas as famílias, conhecidas e desconhecidas.
Matou-me no dia seguinte. Não foi no mesmo dia, porque não conseguiu o horário dos comboios da linha do sul.
Moralidade da história: Se comeres gelo, lava todos dos dias os dentes, porque senão dói.
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CU menta!