sexta-feira, 5 de janeiro de 2007

O grande Ganesha e o velho

Na tina, maltratava a pulga com uma pinça aguçada, lá bem no canto, tapado pela sombra do projector, também estava o meu elefante pigmeu, o grande elefante vermelho. Como sempre, fiz com que tudo parecesse uma grande encenação, com fogo e tudo, os aplausos vinham do céu, pareciam querer dizer algo, como por exemplo: És o maior! O Senhor! És o mais poderoso de todos!
Continuei ignorando tudo e todos, quanto mais o faziam, quanto mais pediam que me curvasse, quanto mais pediam que maltratasse a pulga, que pedia insistentemente que a fizesse sangrar pelas orelhas, mais os desprezava. Chamei o elefante, já em desespero e o publico rugiu, num só tom: Mata! Chamei-o, mas… as lágrimas grossas caíam-lhe pela face trombuda e vermelha, o grande elefante vermelho, teve piedade da pulga.
A grande questão:
Porque o elefante teve piedade “desta” pulga? Era a milionésima vez que o fazia, uma pulga era uma pulga, algo repugnante, que o amaldiçoava há séculos e pela mesmíssima razão, as torturava e as esmagava, com um olhar de ódio. Mas… esta… não. Olha-a nos olhos, pediu que se levantasse e o desafiasse, numa grande luta de titãs. A pulga e o elefante, na minha tina, ao som de tambores tribais, e de gritos de incitação, de pedidos de misericórdia para a pulga e outros tantas de morte para a mesma. Avançam, a passos de guerreiro, com corpos nus, sem armas, sem nada que os proteja, sem nada que os faça sangrar, a não ser as próprias mãos, avançam. É intenso!
O combate sangrento começa!
O elefante sofre um golpe severo no olho, uma dentada bem aplicada por parte da pulga, mas o grande vermelho, forte como um toiro bravo, investe com tudo e com a astúcia de uma raposa, num golpe de equilibrista, consegue prender a pata de trás da pobre pulga, um grito de espanto solta-se na sala. OH!!! O gesto é de todos o mais belo de sempre do grande vermelho, como todos lhe gostam de chamar, Ganesha, os mais pequenos chamam-lhe, Ganinho. A pulga, de olhos esbugalhados, súplica por misericórdia, mas o velho elefante, já farto de tanto aturar aquela imbecil, levanta a outra pata e fazendo pontaria, baixa-a ao mesmo tempo que a luz se apaga, ouve-se um grito abafado, há um silêncio sepulcral na sala. Acende-se a luz e uma pequena mancha de sangue emerge na tina. Choros e uivos, misturados como aplausos e gritos de bravo, ecoam por toda a sala e corredores, excepto uma pessoa, que olha com desprezo. Um homem velho, agastado pela vida, de olhar pesaroso, lá bem no fundo, que conhece este número muito bem, que já o viu mil e uma vezes, o qual profere as seguintes e singelas palavras:
- Ainda se viu o elefante a bater com a pata no chão e ao lado da pulga. É incrível! Por mais que façam isto, nunca o farão como eu fazia.
E o velho elefante, ouvindo-o, olha-o com um olhar murcho, de quem quer que volte, quase suplicando. Apercebendo-me disso, com raiva, bato-lhe com o minúsculo chicote e grito:
- Anda! Salta e agradece os aplausos!

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