Apanhei um avião qualquer, mesmo sem bilhete, ninguém se iria importar. Passei pelo controlo de entradas, utilizando o meu disfarce de Polícia Húngaro. Raramente falha. Para trás ficava a confusão do costume. Encurralei-me na casa de banho do avião, até que a hospedeira viesse bater na porta, para que todos possam ocuparem os seus lugares e assim é garantida a segurança de todos. São muito profissionais! Estranhamente desta vez o avião levantou voo sem que isso acontecesse. Senti tudo, o deslizar pela pista, o deslocar, o levantar voo e famoso barulho do trem de aterragem a recolher. Mais parece o desintegrar do avião, mas não, é só o trem de aterragem a recolher. Como já estava habituado a situações estranhas, tentei ignorar. Não ouvia mais nenhum ruído, senão os motores do aparelho, bem como os balanços habituais do voo comercial. Passados alguns minutos, não consigo precisar quantos, abri a porta e… O avião estava vazio. Não havia vivalma. Percorri todo o avião e nada, ninguém. Eu sei que é estranho, mas mais uma vez não dei grande importância, no entanto… um pensamento gritante saltou-me à memória: será que está alguém a pilotar o avião?
Fui até ao outro extremo e bati à porta, não obtendo qualquer tipo de resposta. Tentei abrir a porta e tive um abafado sobressalto! A porta estava aberta… abri muito devagar, encontrando o cockpit vazio. Dei uma cabeçada com toda a força na porta e doeu. Ou seja, não estava a dormir, nem muito menos a sonhar. Uma calma estranha encheu-me a alma. Que bom estar sozinho num avião só para mim. Respirei fundo e sentei-me no lugar do comandante. A vista era incrível. Voava sobre o mar e o céu parecia infinito. A tranquila calma não durou muito tempo, pois deixei de ouvir os motores, mas no entanto o avião continuava no ar e tudo continuava normal. Pânico? Para quê? Posso dizer que estranhei nesse momento o facto de estar acordado. Como poderia eu ter a certeza que tudo aquilo não seria um sonho? Se fosse um sonho, podia fazer aparecer alguém naquele momento. Pensei na mulher dos meus sonhos e… para meu espanto, não apareceu. Podia ser uma ratoeira do meu subconsciente. Relaxei e tentei dormir um pouco. A cadeira do piloto pareceu-me ser o local ideal. O único ruído que existia era o vento que percorria a fuselagem do avião. Adormeci em dois tempos.
Sonhei que andava de triciclo com o meu tetravô.
Quando acordei, estava tudo na mesma, só a única coisa que tinha mudado era a paisagem. Encontrava-me dentro de água e a velocidade era praticamente a mesma. Não havia dúvidas, estava a sonhar. Mas que raio é que eu vou fazer para acordar?! De facto não sei se o avião já levantou voo, ou se ainda estou em terra, dentro da casa de banho do avião, ou se me levaram para fora do avião e agora estou numa sala qualquer. Se calhar é isso, visto que não há barulho. Mas… e esta sensação de que estou debaixo de água? Deve ser alguma coisa que tenho por resolver, ou talvez um medo qualquer… Tenho de consultar o meu dicionário de sonhos. Tenho é de me deixar disso e tentar acordar! O avião continuava alegremente dentro de água, nada o fazia parar, nem os desgraçados dos peixes que eram literalmente esmagados de encontro à fuselagem do avião devido à velocidade. Por vezes ouvia-se um embate maior, que seria um ser marinho de maiores proporções. Lembrei-me: se o avião está dentro de água, o que o faria propulsionar? Os motores não podiam estar a funcionar, visto que dentro de água não iriam funcionar. Tentei ver até que ponto a minha mente podia ir. Espreitei pela janela do lado direito e de facto tenho uma mente muito fértil. Um conjunto infinito de seres marinhos minúsculos, puxavam literalmente o aparelho. Uns agarrados aos outros, puxavam-no numa velocidade impossível; pelo menos dentro de água. Na outra asa o mesmo cenário. Claro está que para adensar a coisa, os tais seres marinhos minúsculos, estavam a sorrir e cumprimentavam-me quando espreitava pela janela, Que mais podia acontecer, certo? Achei tão estúpido! Lembrei-me como podia acabar com aquela palhaçada de sonho. Se me matar, isto acaba já! Sem pensar duas vezes, peguei num extintor que se encontrava dentro do cockpit, mais concretamente do lado direito da porta, ficando perfeitamente ao alcance de qualquer um, de tal forma que até era ridículo. Bem, sem mais demoras, retirei o dito do suporte e com uma força atordoante, atirei-o na direcção da janela em frente, mais à esquerda. Será que é preciso dizer o que aconteceu? Claro que não… mas eu conto. O extintor não partiu janela alguma! A única coisa que fez foi ressaltar nos comandos do avião, de seguida batendo caprichosamente na minha testa, atirando-me de imediato para o chão. Teve ainda tempo para bater na parede lateral, partir um conjunto de indicadores, mais ou menos importantes e de novo, como que por magia, aterrou com toda a força no meu estômago, seguindo-se o típico bater na base do meu órgão reprodutor, sendo mais concreto, nos testículos. A dor foi de tal forma agoniante que me fez lembrar que se calhar não estava a sonhar. Mas por outro lado, podia estar a ser espancado e continuar a dormir. Achei estranho, mas ao mesmo tempo normal, visto que já por mais que uma vez que tinha sentido dores deste tipo. Uma pessoa como eu, do mundo dos agentes falsos, está mais que habituado a este tipo de situação. Senti uma frustração galopante, mas ao mesmo tempo deu-me fome… Abandonei a ideia de me tentar matar e fui comer, ou pelo menos tentar encontrar alguma coisa que me fizesse tirar aquela dor. Mal sai da sala de pilotagem (não me apetece usar a outra palavra, pois acho-a demasiado absurda), comecei a ouvir de novo o som dos motores. Senti um peso incrível nas pernas, mas que me puxava para baixo, mas ao mesmo tempo para os lados, não consegui aguentar força e quase esmaguei-as, parecendo que tinha perdido pelo menos quinze centímetros de altura. Olhei pelas janelas e vi que o avião subia, mas claro está que não duma forma normal. Ao mesmo tempo que subia, deslocava-se agora ao contrário. Ou seja, o nariz do avião, estava para baixo. Eu estou mesmo em apuros dentro deste sonho terrível. Um pesadelo diria mesmo! Cheguei a pensar isso. Encolhi os ombros e continuei a minha buscar por comida. Se alguma vez viajaram de avião, sabem que os armários e os carrinhos onde está a comida para dar aos passageiros, está presa com uma espécie de ferrolho, para que não saltem com as subidas e descidas do avião. Pois é… e o que se passava com este normalíssimo avião? Não tinha os ditos carrinhos e toda a comida estava literalmente a voar pelo compartimento, a que vou dar o nome de cozinha, ou copa, ou outra coisa qualquer desde que se perceba que é o local onde a comida está. O que ia eu fazer com cento e cinquenta doses de bifes de peru com molho ostras e puré? O que ia fazer a litros e litros de café, sumos e outros derivados líquidos que flutuavam, pairavam, estavam suspensos e quanto mais o avião voava, mais tudo se misturava? Era de tal forma caótico que perdi a fome. Mas ainda consegui alcançar uma tosta e uma raspa de patê de fígado de ganso. Bebi algo que ia a passar e fui de novo para a sala de pilotagem (não peçam, por favor! Obrigado). Era perturbador ver o avião a voar ao contrário. Pensei: Mais um orgasmo da minha mente. Estou mesmo mal!
Sentei-me agora no lugar do engenheiro de voo. Retirei um dos muitos manuais que se encontravam numa prateleira por cima dos meus olhos. Abri e procurei se existia algum capítulo com situações ridículas, ou até mesmo caricatas. Encontrei. No entanto só tinha um ponto, que dizia: Consulte o manual “Instruções de Voo Vol. II”, Pag. 345, 346 e 956.
Fiquei tão curioso, que procurei pelo dito manual. Quando olhei para a prateleira onde estavam os outros manuais, as letras nas lombadas tinha desaparecido. Mais estúpido que isto não pode haver, até dei uma gargalhada. Por certo que se encontrasse o dito manual, iria encaminhar-me para outro e por ai a fora. Sorri e coloquei o manual no seu sítio. Olhei de novo lá para fora e o avião continuava a voar ao contrário. Aproximei-me da janela e vi que não era o único a voar assim, mais três aviões, mas mais pequenos acompanhavam-me. Tentei ver se traziam alguém dentro. Vislumbrei um vulto no avião que estava mais perto. Procurei uns binóculos, ou algo parecido que pudesse ver melhor quem poderia estar aos comandos dos outros aviões. Encontrei uma espécie de monóculo. Quando consegui a focagem ideal, não consegui abafar um grito de espanto. Em todos eles a única pessoa que estava no cockpit (sim sim… ok…) era eu, ou seja, outros iguais a mim, que faziam exactamente a mesma coisa que eu. Tentávamos ver o que se passava nos outros aviões e que vulto seria aquele. Uma vez li um artigo, que falava de algo parecido com este fenómeno e tinha a ver com realidades paralelas, mas neste caso não compreendia porque os outros eram mais pequenos, ou o meu maior. Seria o meu ego? Caros leitores, nesse momento, estranhei, pois senti que não estava a sonhar. E porquê? Porque…. Arghhhhhhh…
Meus caros, depois de consultar vários peritos em arquitectura relacional e psicologia avançada para pessoas altamente espertas, resolvi que a história tinha de continuar.
Desta feita seguindo uma linha de pensamento muito avançada. Vou pegar nas últimas palavras do último parágrafo, para que haja alguma coerência, não parecendo que isto tudo é um caos desorganizado, onde as palavras vão aparecendo sem ordem alguma. Não meus caros! Enganem-se, tudo isto faz para parte duma avançadíssima linha de pensamento e tem uma ordem! Ora!
…Porque…. Arghhhhhhh…. Maldita espinha de anfíbio! Nunca mais lhe toco! A justificação para tal façanha estaria guardada nos confins da terra, ou então nos universos intrincados da ciência avançada. Avançada por uns e retraída por outros tantos. De qualquer forma o que se passava era muito real, já há muito tinha ultrapassado a sensação de sonho, ou se quer de estar a dormir, pois o cansaço agora era efectivo e começava-se a apoderar de mim por inteiro. Mesmo assim ainda tive força para libertar uma flatulência. Resisti e tentei ver o que se passava no mundo. Liguei todas as televisões do avião, ou pelo menos tentei. Como é que se ligam as televisões dum avião? Tive ainda outra ideia mais brilhante e procurei pelos telefones a bordo, para que pudesse ligar para a minha querida tia. Encontrei e… qual era o número? O único número que me lembrava de cor era o do meu contabilista. Marquei à mesma. Atendeu e insultou-me em Búlgaro. Fiquei mais tranquilo, pois sabia agora que era tudo real. Estranhei só o facto da voz estar um pouco afeminada, mas tudo era possível naquela casa de doidos. Tive um estremecimento. Há quantas horas é que o raio do avião estava no ar? E o combustível? Devia estar-se a acabar, por certo que sim! Fui ao cockpit (à muito que ultrapassei a vergonha), procurei algo que fizesse referência a combustível e vi algo que me deixou ainda mais perturbado. Ao entrar, olhei por um mero a caso lá para fora e quando tudo começa a fazer sentido, vejo o topo duma cabeça gigante e na continuação desse gigante corpo, um enorme braço que agarrava o avião, bem como os outros aviões estava nas mesmas condições. Naquele momento toda a minha existência foi posta em causa, ou quase… o que se passaria? Não era possível… eu, eu… estava no mundo de gigantes? Como eu poderia fazer parte duma história de crianças? De novo a minha existência estava em risco, bem como o meu sonho, o facto de estar acordado, os universos paralelos, as unhas dos pés, o macarrão com espinafres, os cães de pelo curto…? O que fazia sentido? Uns miúdos que brincavam na rua, nos campos verdejantes, com aviões, que os metiam dentro de água, fora de água, que lhes pegavam, que os levavam a voar ao contrário, ou eu, a minha história? Achei até que a minha versão dos acontecimentos tinha algum fundamento, parecia uma história com um bom suporte… bem, tirando o facto de estar sempre sozinho, até parece bem verosímil, não acham? Estou confuso! E logo agora que eu ia pedir um prego no prato…
No fim destas palavras ouve-se o grito da mãe: Avelino, anda já para casa almoçar!!!
Caso tenho alguma coisa a acrescentar, digam. Obrigado.