quarta-feira, 14 de abril de 2010

Dia 2

A ida a casa das minhas tias, fez-me lembrar os tempos em que ainda na minha meninice, fazia casas para suínos, varandas para galinhas e beliches para coelhos. Certo dia, estava eu muito ocupado a fazer um banco para o cavalo do Dom Fuas Roupinho (o inventor o ABS), quando de repente surgiu, sabe-se lá donde, o nosso amigo Arturi. Vinha de muletas. Percebi logo, pois naquela altura eu era um alegre e entusiasta leitor de coisa alguma, tinha sido atropelado. Perguntei:

- Tu és… tu… és o Arturi!
- Sim… é verdade, sou eu.
- Sabias que eu nunca gostei de ti!
- Ai sim?

E como surgira, desapareci eu.
Viajei por montes e vales, numa cápsula feita dum material que não conhecia, que genericamente irei chamar a partir de agora de: merda! Quando dei por mim, estava em casa. Achei tudo aquilo muito estranho, mas não reparei. Aquela casa não era a minha, mas sim a casa da minha sogra. Achei mais uma vez estranho, mas optei discretamente por não reparar mais uma vez. Eu naquela altura não era casado, seria só e única e exclusivamente no dia seguinte.
Todos gostavam de me chamar, o Alpendre da Colher. Mas passados dois dias caiu em desuso.
Era sem duvida uma predestinação, eu de certa forma não queria entrar na casa da minha sogra, sem ter cortado as unhas, ou sem se quer ter morrido. Alguém ou alguma coisa fez com que este sonho se realizasse. Continuei surpreendido, mas não reparei. Assim como fora, fui ver a minha amada ao sótão, que estava a dormir, acção que vinha fazendo desde que tinha perdido o seu caracol. Ainda hoje foi ao papelão, trouxe quantidade suficiente para três mil caracóis. Mesmo com aquele insuportável cheiro a cartão, não o fazia trazer de volta. Contentava-se simplesmente com as suas fotografias. Um ida a Benidorm, com o falecido seu pai, um caracol genuíno do Algarve!
No dia seguinte, depois de ir para casa curar a embriagues, que tinha contraído numa despedida de solteiro, não a minha, porque eu não as faço. Acordei bastante mais cedo com o ladrar da minha irmã e o mugir da minha prima-irmã. Vesti-as, vesti-me e sai para o dia mais chato de toda a minha vida: O casamento da minha mulher. Logo por azar, vou ser eu o marido e pai das sete belas crianças que vamos ter…
Ainda não consegui perceber a ligação entre mim e os meus filhos. De tantos anos que os tenho, só consegui estar com eles, no total um ano. Mais de resto, ou se dorme, ou está-se no trabalho, ou na escola, ou com os avós, ou com os amigos, eu sei lá! Mas que raio é que eu estou cá a fazer? Vou voar…
Só me apetece ir para um sítio onde não conheçam a minha sogra!
O que eu gostava mesmo era de estar num porto mar, dum qualquer pais da América Latina, onde o cheiro da madeira retorcida, se confunde com o das uvas pobres pela acção do desespero, misturado com o cheiro de urina de gato albardado. Acho que partia logo no primeiro navio, barco, canoa que estivesse a sair naquele momento e ia sem rumo por esse mundo fora.
No dia seguinte fiz rumo ao trabalho.
Já estava casado e à espera de quatro filhos. A minha querida e bela mulher, tinha feito um tratamento de inseminação artificial e esperava quatro alegres pestes. Dizia com grande garbo: “Assim é mais rápido!”.
A minha vida corria às mil maravilhas, tal como estava tudo planeado, ou seja: MAL! Apesar disso tinha um sorriso nos lábios e uns óculos novos. Tendo em conta todas estas contrariedades, não esmoreci.
Despedi-me, divorcie-me, paguei tudo o que devia, matei a minha sogra e internei toda a minha família, mais a minha mulher, num hospício, daqueles baratos, onde não há casas de banho.
Após tudo isso, fugi e ainda fujo. Já lá vão dois dias e já estou em Atenas! É obra! Com o carro do meu vizinho, que habilmente roubei. Nunca um mini com 38 anos andou tão depressa; 150 km/h, numa das descidas dos Pirenéus! Que loucura! Têm sido difíceis a passagem das fronteiras, mas os meus dotes de camaleão, com os meus 16 passaportes falsos, mais os 543 bigodes e o estojo de disfarces que comprei na loja dos Chineses em Marraquexe, tudo ia correndo às mil maravilhas.
Já há duas semanas que fujo. Acho que chega…
E acho que me enganei no navio. O nome não me é estranho: “SAGRES”.